Você está ali, no seu plantão, faz a tipagem direta como sempre, mas percebe que a reação com anti-A ou anti-B está mais fraca do que o esperado. Dá aquela dúvida. Será erro técnico? Reagente vencido? Ou estamos diante de uma discrepância ABO?
Calma. Antes de sair trocando o sangue do paciente ou duvidando da sua sanidade, vamos conversar sobre os subgrupos de A e B — principalmente o A2 — e entender como identificar esses casos com segurança
Primeiro passo: exclua o básico
Você pode desconfiar de alguns pontos, começando pelos mais simples:
- Reagente vencido?
- Armazenamento correto?
- Contaminação cruzada ou má lavagem de vidrarias reutilizáveis?
- Erro na execução? Troca de amostra?
Se sim, repita o teste com novo reagente, nova amostra e, se possível, utilize outro método.
Dica prática da Martell: Utilize o DG GEL ABO/Rh 2D (RT), que já vem pronto para uso e ajuda a reduzir erros técnicos de execução da prova direta/reversa e ainda dá pra você deixar armazenado em temperatura ambiente.
Reagentes certos, técnica ok… então vem aí um subgrupo?
Se você checou tudo e a reatividade continua fraca, pode estar lidando com um subgrupo de A ou B — e o mais comum é o subgrupo A2, que às vezes vem acompanhado da produção de anti-A1, provocando discrepância na tipagem reversa.
Nesse momento, para confirmar a sua desconfiança, você pode contar com:
- Lectina anti-A1: vai verificar se há presença do antígeno A1 (que está ausente nos A2), é um reagente extraído e purificado a partir de um extrato de Dolichos biflorus, é um anticorpo contra as ramificações do carboidrato A que só está presente nos indivíduos A1 – e a Martell, claro, tem;
- Lectina anti-H: te mostra se ainda há antígeno H disponível na membrana das hemácias.
Entendendo o porquê
Você lembra que a expressão dos antígenos ABO depende da presença do antígeno H, o H é uma substância precursora. Quando temos sangue tipo A1, quase todo o H vira A1 — e por isso o anti-H não reage fortemente. Mas nos subgrupos A2, sobra antígeno H porque a conversão é menor, e por isso:
- Anti-H positivo
- Anti-A1 negativo
- Tipagem direta positiva com anti-A (pode dar 4+, mas o esperado é dar menos)
- Reação reversa pode ter anti-A1 detectável (em 10% dos casos essa produção é natural ou após exposição com transfusões A1)
E aqui entra mais uma ajuda: as Hemácias A2 (SERIGRUP DIANA A2) são ideais para confirmação e padronização dos seus testes. A gente pode utilizar as hemácias A2 para facilitar a identificação de anticorpos anti-A1 em algumas pessoas de grupo “A2” ou “A2B”, com capacidade para 200 testes.
E se for um Subgrupo de A mesmo?
Temos ainda outros subgrupos como A3, Ax, Aend, Am, Ay e Ael. Os três últimos são tão discretos que só aparecem em testes de adsorção e eluição. O mais provável é que seja o A2 mesmo, por ser o mais comum. A confirmação 100% será feita somente com testes de Biologia Molecular, no seu laudo estudando apenas a sorologia, você vai liberar como provável subgrupo de A (ou provável A2). Em todos os casos, vale observar:
- Reatividade com anti-A, anti-AB, anti-A1 e anti-H
- Presença de anti-A1 na tipagem reversa
- Testes com saliva para avaliar secreção dos antígenos
- Testes moleculares, se disponíveis
Subgrupos de B também existem, como B3, Bx, Bm e Bel, mas são muito mais raros.
E quando o quadro engana?
Doenças como leucemias e linfomas podem suprimir a expressão dos antígenos ABO. Essa alteração está ligada a um mecanismo epigenético, mais especificamente à hipermetilação do promotor do gene ABO, que acaba – de forma transitória – diminuindo a expressão desses antígenos. Neste caso, saber o diagnóstico e ligar uma coisa à outra ou também tentar testes de reforço, como colocar à 4°C por 15 ou 30 minutos, pode ajudar.
Existe também o curioso caso do B adquirido, onde uma enzima bacteriana converte antígeno A em algo muito parecido com B, provocando uma reação cruzada com anti-B. Aqui, estudar substâncias secretoras ou tratar a amostra com anidrido acético pode ajudar a diferenciar.
Outras causas de discrepância
Em alguns carcinomas de estômago ou pâncreas, substâncias no plasma neutralizam os reagentes anti-A e anti-B, levando a falso-negativos. Esses carcinomas produzem substâncias do tipo mucinas tumorais ou glicoproteínas alteradas, que possuem determinantes antigênicos semelhantes aos do sistema ABO, ou são moléculas capazes de interagir com os reagentes anti-A e anti-B. Essas substâncias não estão nas hemácias, mas circulam no plasma e são suficientemente similares ou interferentes a ponto de “enganar” os reagentes. A dica nesses casos: lavar bem as hemácias antes de repetir os testes, pra não sobrar nenhuma substância.
Conclusão
Detectar e resolver discrepâncias ABO exige conhecimento técnico, olhar atento e insumos de qualidade. A Martell está aqui para facilitar esse processo: seja com cartões de tipagem confiáveis, hemácias A2, ou lectinas anti-A1 e anti-H de alta performance.
“A segurança transfusional começa com a confiança na sua tipagem ABO.”
Referências
American Association of Blood Banks. Technical Manual. 20th ed. Bethesda (MD): AABB; 2020.
Harmening DM. Modern Blood Banking and Transfusion Practices. 7th ed. Philadelphia: F.A. Davis Company; 2019.